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Optical Void: inside the pattern, outside the body


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אֶת־חֻקֹּתַי תִּשְׁמֹרוּ... וּבֶגֶד כִּלְאַיִם שַׁעַטְנֵז לֹא יַעֲלֶה עָלֶיךָ

Você não deve usar roupas feitas com lã e linho misturadas.” (Levítico 19:19)



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O padrão do diabo



Há algo no listrado que sempre me fascinou. Não é apenas um padrão, uma decoração. É um ritmo, um movimento que conduz o olhar e, de algum modo, toca na maneira como percebemos o espaço e o corpo. O listrado sempre carregou tensão entre dentro e fora, começo e fim, pertencimento e afastamento.


As listras sempre carregaram mais do que estética. Ao longo da história, elas nunca foram neutras: já foram usadas para marcar diferença, marginalidade, representavam deslocamento, diferença e estranheza. Na Idade Média, eram associadas a quem vivia fora da ordem social: bobos da corte, ciganos, prisioneiros, doentes e hereges. O diabo e suas criaturas também eram frequentemente representados em vestes listradas.

O tecido marcado por linhas, quebrava a uniformidade da cor lisa, confundia a visão e simbolizava transgressão e conexão com o maligno. Vestir listras era um gesto de exclusão, um aviso: este corpo não pertence à ordem.


No século XVIII, houve uma primeira reinterpretação estética e o significado mudou: o governo francês instituiu a marinière como uniforme oficial dos marinheiros.

Inicialmente associadas à hierarquia inferior e aos trabalhadores braçais, as listras eram uma forma de marcar a posição social dos tripulantes.


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O padrão azul e branco ganhou regras precisas de número e espessura de linhas, transformando em símbolo de disciplina, identidade e pertencimento. A listra que antes afastava, agora integrava.








French Fashion newspaper 1871
French Fashion newspaper 1871

Mas foi no século XIX, na Paris dos anos 1870, em meio à efervescência urbana, o listrado começa a ser explorado como elemento visual estético da fotografia e da arte. As listras começam a aparecer em vestidos e trajes de lazer das mulheres mais doidinhas da época. Enquanto a moda feminina ainda era carregada de ornamentos, flores e bordados, o listrado oferecia uma alternativa mais gráfica, direta, quase abstrata. Ele alinhava o corpo a um novo olhar moderno: a cidade, a fotografia, mas ainda carregando uma aura de ousadia ou excentricidade.


A fotografia e a pintura da época começaram a valorizar contrastes e composições visuais, vestidos e roupas com listras horizontais ou verticais permitiam explorar linhas e formas que chamavam atenção, criando movimento e ritmo visual em retratos e cenas do cotidiano. Artistas impressionistas, como Monet e Renoir, capturavam essas roupas em suas obras, ajudando a consolidar o listrado como parte da moda urbana.













Uma coisa que eu acho muuuito interessante desse momento, é que historicamente, como já falamos, as listras foram um sinal de exclusão. E ssa herança negativa é fundamental porque cria uma virada: quando o listrado entra na moda (século XIX), ele carrega consigo essa aura de “estranho”, de padrão não convencional.


 Camille the Woman in the Green Dress (1866) - Claude Monet
Camille the Woman in the Green Dress (1866) - Claude Monet

Ou seja, vestir listras neste período sempre teve uma dimensão de afirmação: eu escolho me vestir assim, eu escolho ser visto de outro modo. o listrado deixa de ser apenas padrão e passa a ser declaração estética, uma escolha consciente de estar em sintonia com um tempo que se acelera e se fragmenta. Ele permitia que quem o vestisse se destacasse visualmente, mas de forma elegante, conectando-se à crescente valorização do gosto pessoal e do estilo consciente.


La Loge (1874) - Pierre Auguste Renoir
La Loge (1874) - Pierre Auguste Renoir



























Foi a diva Coco Chanel, que nas primeiras décadas do século XX, colocou as listras na moda feminina. Ela observou a vida ao redor dela: os pescadores, os marinheiros, as mulheres da praia, e percebeu que havia beleza e liberdade na roupa utilitária. A marinière, que antes era uniforme de trabalho braçal, virou vestimenta de um corpo feminino livre.



Coco Chanel, 1928
Coco Chanel, 1928

Chanel pegou o que era prático e transformou em símbolo de modernidade: roupas leves, cortes que permitiam movimento, tecidos que respiravam junto com o corpo. Vestir listras com ela não era apenas adotar um padrão; era uma pequena revolução silenciosa na forma de ser mulher, uma afirmação de que conforto e elegância não precisavam ser opostos. Ao mesmo tempo, havia uma sutileza política: incorporar elementos da classe trabalhadora era questionar os códigos da moda da Belle Époque (1900), abrir espaço para um guarda-roupa que falava de liberdade, independência e estilo pessoal.



Ao longo do século XX, estilistas e movimentos culturais se apropriaram das listras em novas leituras. Jean-Paul Gaultier transformou as listras em assinatura pessoal, carregando o motivo náutico para o imaginário da moda contemporânea. 

A cultura beatnik adotou listras em preto e branco como marca de identidade intelectual e contracultural.


Brigitte Bardot, 1956
Brigitte Bardot, 1956

No punk, apareceram versões distorcidas, mais agressivas, tensionando o padrão clássico. Nos anos 2000, emo estava no auge, e as listras horizontais, finas ou médias, criavam um efeito visual. Era comum usar uma camiseta listrada por baixo de outra camiseta ou camiseta de banda, criando camadas. (eu amava kkkk)


Já na arte, nomes como Bridget Riley na década de 60 no contexto da OP art exploraram o efeito ótico das listras para criar vibração e movimento, confundindo a visão. Essa dimensão perceptiva também atravessou a moda: dependendo da cor, direção e espessura, as listras enganam o olhar, alongam ou distorcem a silhueta, produzindo a experiência das listras em experimentos visuais, criando efeitos de movimento óptico.







Escrever sobre o listrado me fez perceber que as listras carregam séculos de história, e que no corpo de hoje elas respiram de outro jeito, mas sempre de forma múltipla. Pode ser minimalista ou exagerado, clássico ou experimental. Carrega esse histórico de opostos, transgressor e uniforme, subversivo e elegante, cotidiano e artístico. E sempre um campo de tensão.


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É nessas entrelinhas que o Void listrado foi criado. Uma peça já pensada para intervalos: entre frente e costas, revelar e esconder, possiblitando diferentes formas de uso. Tive muita sorte em garimpar um tecido listrado perfeito para fazer essa variação. Possui o mesmo conforto e fluidez do Void clássico, e ao mesmo tempo, cria um efeito hipnótico diabólico quando se olha diretamente, além de deixar a peça super fofinha. Vestir o Void listrado é se inscrever também em uma experiência visual e sensorial no corpo, usando um padrão que possui uma profunda dimensão histórica e social.


















O que me ajudou muito a entender a aura do listrado, foi o livro The Devil’s Cloth, do historiador Michel Pastoureau, que conta de forma bem fluida e interessante as histórias do diabo, da exclusão social e do estilo que passou por séculos e nos atravessa até hoje.

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